sábado, 14 de março de 2009

O que nos permite dizer que Cristo morreu «por nós»?


O que parece ser claro na tradição judaica e no Novo Testamento cria uma dificuldade nos tempos actuais, de grande individualismo. Em oposição à ideia contemporânea de «cada um por si», cada ser humano era considerado como um representante da humanidade, vista como uma unidade, não de forma abstracta, mas como uma realidade espiritual. É difícil para nós, hoje, imaginarmos algo assim.

Todavia, temos experiências de estreita solidariedade humana, de profunda comunhão, em que sentimos que a humanidade é una e que cada ser humano pode ser imagem desta humanidade. Pensemos nas nossas emoções e pensamentos quando sabemos que alguém ofereceu a sua vida pela de outra pessoa. Pensemos em tantos homens e mulheres que não hesitam arriscar as próprias vidas para ajudar outros ou que, muito simplesmente, deram as suas vidas em serviço, como se pertencessem a outros. Ou pensemos no sofrimento dos outros, que nos afecta como se fosse o nosso próprio sofrimento. Perante estas situações, suspeitamos que a humanidade não se restringe a uma simples justaposição de indivíduos, mas que tende para uma unidade de que cada pessoa é um representante. Era neste sentido que o irmão Roger gostava de falar da «família humana».

Nesta perspectiva, Jesus deve ser reconhecido, de modo único e absoluto, como o Homem por excelência, tal como Pilatos expressou (sem se aperceber de como tinha dito tão bem!): «Eis o Homem!» (João 19,5). Esta expressão estende-se necessariamente em dois sentidos: «Eis o homem, o indivíduo que trouxeram até mim» e «Eis a imagem do Homem como o Criador o planeou por toda a eternidade, o verdadeiro representante de todos os seres humanos aos olhos de Deus.»

De facto, não é possível compreender a Paixão e a Incarnação de Cristo, o modo como Deus se uniu aos homens da forma mais íntima, sem o reconhecermos como Filho de Deus que se tornou irmão de cada um de nós. Nosso irmão e, mais do que isso, o nosso representante perante Deus. Melhor será dizer: a minha presença quase pessoal diante de Deus. Podemos dizer que Cristo toma o nosso lugar para viver diante de Deus uma existência humana que responde na perfeição ao amor do seu Pai e que enfrenta, em vez de nós, a morte. Mas, paradoxalmente, toma o nosso lugar sem o tirar e, ao contrário, dando-nos o nosso verdadeiro lugar.

Pela sua natureza humana, é a minha vida que Jesus aceita para si, de modo a dar-me parte na sua: na sua existência terrena, vivida em liberdade e obediência; na sua cruz dolorosa e vitoriosa; na sua vida eterna. Tão grandioso é Cristo no dom da sua vida que, perante a desgraça da sua morte, a transforma numa bênção para si e para nós.

Irmão Pierre-Yves

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